Friday, January 20, 2006

Memória de minhas árvores tristes

Nunca pensei que desmontar Árvore de Natal fosse tão complicado. Sim, eu sei que hoje já são 20 de janeiro, quase 21... Mas pasme você, eu só desmontei minha árvore hoje... Eu, que fui criada em família católica, com todas aquelas tradições religiosas, sei muito bem que, normalmente, os enfeites natalinos são retirados no dia 06 de janeiro, que é o dia de reis. Que reis? Os três Reis Magos, aqueles a quem a estrela anunciou o nascimento do Messias.... Bem, mas no dia 06 eu não tive coragem de desmontar minha árvore. Não sei por quê. Amanheci com uma depressão profunda. E até escrevi algo do tipo: “ Hoje não tem poesia, só consigo pensar no espectro de minha vida vazia”... E só de me imaginar tirando aqueles sinos, aqueles anjos, aquela estrela... Pra mim, soava como se eu estivesse desmontando minha própria vida... Mais uma vez!Passou, então, o dia seis, passou o dia sete, passou dia oito, passou o dia onze (que é a data do meu aniversário)...E o dia 12, outra depressão, profundíssima. Fiquei dia todo trancada em meu quarto. Quando saí, no meio da sala, olhei. A árvore intacta. Peguei um livro e comecei a ler. Presente de aniversário. “Memórias de minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Marquez. Livro interessante. Mas não é sobre livro que quero falar.Semana passada minha mãe veio jantar aqui. Quando viu a árvore, logo se lembrou de sua mãe (minha vó) que só desmontava sua decoração de Natal no dia 20. “ O presépio” – completou, olhando com aquele jeito inquisidor, como se dissesse: você não tem mais uma família como a Sagrada... E eu entendi o recado: “Poxa- pensei – eu não montei o presépio este ano...” Bem, não me pergunte por que minha avó só se desfazia de sua decoração no dia 20. Minha mãe explicou, mas eu estava ocupada fazendo feijoada (para o jantar !), ouvi, mas já esqueci. E, apesar do catolicismo todo da minha educação, eu devo ter perdido essa aula na catequese. (Eu olha que já fui catequista também!). Bom, mas o fato é que quando minha mãe relatou esse fato, tranqüilizei-me. Se minha avó, ela que sempre fora tão devota, demorava tanto para se desfazer de tudo aquilo, eu poderia também perfeitamente esticar meu Natal até o final do mês. Bem, e aí hoje me dei conta de que já estamos na segunda quinzena do mês. E eu já estou às voltas com planejamentos para o início do ano letivo (ai ai). Resolvi, então, tirar aquele verde todo do lado do meu sofá. Achei que seria a coisa mais fácil do mundo. Mas não foi. Tamanha foi a agonia que senti ao retirar cada penduricalho, que resolvi arrancar tudo, de uma só vez, sem nem pensar se quebraria algo, se arrancaria uma perna do papai Noel, a asa do anjo, se a estrela iria perder uma das pontas... eu queria que aquilo acabasse logo. E coloquei de qualquer jeito dentro da caixa. Levei à despensa e saí. Página virada.Quando retornei à sala, pus-me a pensar sobre minha vida.Sempre fui assim. Às vezes, levo anos construindo algo, na maior dedicação, e preparação.. mas quando esse mesmo algo já não é mais como deveria ter sido e está me fazendo sofrer, ou se o fim dele é iminente e não há mais nada a fazer, acabo com aquilo de uma vez. Não sem pensar, mas com aquela ânsia de que se é pra ser, que seja se uma vez!E então o que se levou anos sendo construído, em cinco minutos vai ao chão. Foi assim, quando eu tive que me mudar do Paraná e largar meu emprego estável. Foi assim quando eu tive de deixar para trás uma casa deliciosa que eu mesma havia planejado – literalmente, rascunhei a planta mesmo, e depois disse ao engenheiro: é assim que eu quero. Vire-se! E minha casa foi construída exatamente do jeito como eu planejei. E nela eu achava que passaria o resto de minha vida...E foi assim também com meu casamento. 20 anos. E é a primeira vez que eu escrevo a respeito...Como na metáfora de minha árvore, não queria arrancar o que pendurei durante tanto tempo e com tanta dedicação. Tanta coisa pendurei nesta árvore, que não era a de Natal propriamente dita, mas que presenciou tantos natais, aniversários, férias, viagens, alegrias, tristezas, doenças, risos, sonhos...Bem, minha árvore (a do Natal) eu acho que no mês de dezembro deste ano eu a usarei, talvez com os mesmos penduricalhos, ou com novos... Ou talvez eu compre uma nova árvore. Ou talvez eu nem esteja viva. Quem sabe? Então, para o restante de minha vida penso o mesmo. Talvez eu tenha tudo de volta. Talvez somente algumas coisas. Ou talvez tenha tudo novo, com novos “enfeites”, novos “planejamentos”.. Ou talvez eu nem esteja viva para ter algo de volta ou para “plantar” novas árvores. Mas tudo bem. Hoje, consegui desmontar minha árvore de Natal. Doeu enquanto eu desmontava. Mas passou. E eu continuo viva. Que bom!

(Adriana - 20 de janeiro de 2006)

1 comment:

Vanessa Gomes said...

Olá, Adriana
Eu acredito que o fim (de qualquer coisa que seja) não é necessariamente um término (no sentido literal da palavra), mas, sobretudo, a possibilidade de um recomeço. Meio que uma oportunidade que a vida nos dá de respirarmos fundo e trilharmos novos caminhos. Precisamos estar atentos para perceber que o que construimos nesse novo caminhar depende demais da meneira serena que olhamos o nosso passado.
Desmontar árvore de natal tb é tarefa difícil pra mim. Os motivos são outros, mais leves talvez, mas existem.
Fique bem sempre mesmo sabendo que "sempre não é todo dia".
Muitos beijinhos e desculpa essa invasão aqui. Não resisti (risos)